Espaço de informação e divulgação da História, Arte, Cultura, Usos e Costumes das gentes de Ourém.
Quarta-feira,
17 de Novembro de 2010
Quem foi Francisco Vieira Figueiredo?
Um mercador oureense
nos mares do Oriente
Francisco Vieira Figueiredo nasceu no
Zambujal, Concelho de Ourém, nos começos do século XVII. Por volta de 1622
partiu para a Índia, transferindo-se posteriormente para a actual Indonésia.
Viveu, pois, no contexto da dominação filipina e dos ataques desencadeados
pelos holandeses às possessões portuguesas naquelas paragens.
Para falar acerca do oureense Francisco
Vieira Figueiredo, o Museu Municipal de Ourém leva a efeito no próximo dia 3 de
Dezembro, pelas 21h30, mais uma iniciativa: “À conversa com António
Rodrigues Baptista e Sérgio Ribeiro sobre Francisco Vieira Figueiredo, um
ilustre cidadão do Zambujal”. Uma iniciativa a não perder.
Entretanto, publicamos aqui um artigo
de Paulo Jorge de Sousa Pinto que se transcreve com a devida vénia do blog
“Carreira da Índia”, em http://carreiradaindia.net/
Uma das facetas mais interessantes da
história da presença portuguesa no Oriente nos séculos XVI e XVII é a história
dos que daqui partiram em busca de uma vida melhor, esperando encontrar na
Índia formas de enriquecer e escapar à pobreza em que viviam em Portugal. A
verdade, porém, é que raramente conhecemos com algum pormenor tais biografias.
A vida dos vice-reis ou governadores, de grandes figuras da nobreza ou de
grandes guerreiros é bem mais fácil de traçar. Sobre a história individual dos
de origem humilde, mesmo que por lá tenham enriquecido, há geralmente pouco a
relatar. Uma das excepções a esta regra é Francisco Vieira de Figueiredo.
Outro motivo adicional de interesse acerca desta figura é o facto de
ter vivido numa época já distante dos primeiros tempos áureos do Estado da
Índia, marcada, pelo contrário, pela recessão e pelas dificuldades crescentes
que os portugueses sentiam no Oriente face a outras potências europeias, como
os holandeses ou os ingleses. É, assim, desta figura excepcional que vamos hoje
falar, traçando as principais etapas da sua vida e da sua importância para a
história da presença portuguesa na Ásia.
Francisco Vieira de Figueiredo nasceu no
Azambujal, perto de Ourém, algures nos princípios do século XVII. Era de origem
humilde, sabendo-se apenas ter sido o seu avô pedreiro de profissão. Partiu
para a Índia como muitos outros no seu tempo: jovem, sem dinheiro e
provavelmente alistado como soldado para servir no Oriente. Tal terá ocorrido
em 1622 ou 1623. Nada se sabe dos primeiros anos de estadia na Índia.
Provavelmente, suportou as privações inerentes à dura vida de soldado, mas cedo
terá preferido esquivar-se a tais dificuldades passando a estabelecer-se como
mercador, o que sem dúvida lhe alargava consideravelmente os horizontes. Alguns
anos mais tarde vamos encontrá-lo já como mercador estabelecido na costa do
Coromandel, ou seja na costa oriental indiana onde os portugueses ainda
possuíam algumas pequenas cidades costeiras, nomeadamente Negapatão onde
Figueiredo viveu durante alguns anos.
O Estado Português da Índia vivia nesta
altura momentos particularmente difíceis. Desde os finais do século XVI que
holandeses e ingleses haviam chegado aos mares do Oriente, procurando também
eles buscar a fonte dos ricos produtos asiáticos que os portugueses haviam sido
os primeiros a contactar directamente. Inicialmente virados unicamente para o
comércio, quer os holandeses quer os ingleses foram a pouco e pouco competindo
directamente com os portugueses, acabando por atacar directamente as armadas e
cidades portuguesas. Estando nesta altura sujeito a Espanha, Portugal não
possuía força suficiente para enfrentar tão poderosa ameaça aos seus interesses
asiáticos. A Restauração da independência nacional, em 1640, poucas melhoras
pôde fazer à situação que se apresentava cada vez mais difícil. Os holandeses
eram quase senhores absolutos dos mares do Extremo Oriente, continuando a
atacar os navios e cidades portuguesas. É neste cenário que irá sobressair a
figura de Francisco Vieira de Figueiredo.
Francisco Vieira de Figueiredo não foi um
guerreiro, nem praticou feitos heróicos que merecessem louvores especiais. O
seu papel no seio do conflito luso- holandês foi, no entanto, de primeiro
plano. Por volta de 1642, Figueiredo transfere-se da Índia para o sultanato de
Macassar, na actual Indonésia, que passa a ser a sede dos seus negócios.
Macassar, nesta altura já um reino muçulmano, protegia os potugueses,
partilhando a mesma aversão aos holandeses e às suas pretensões monopolistas. É
preciso entender que estes eram agora senhores quase absolutos daqueles mares,
sobretudo após terem conquistado Malaca aos portugueses. Um mercador português
como Vieira de Figueiredo, que vivia do comércio marítimo de longo curso, entre
esta região, a Índia e a China, vivia sob permanente ameaça das armadas
holandesas. A sua suprema habilidade foi a de conseguir estabelecer as melhores
relações com o sultão de Macassar, que os holandeses não se atreviam a desafiar
abertamente. Este sultão, aliás, para além da simpatia que sentia pelos
portugueses, falava português, assim como muitos da sua corte. Figueiredo,
através da sua ligação ao sultão, conseguiu diversos vistos para os seus navios
junto dos holandeses, chegando mesmo a viajar directamente para Goa, como
emissário do sultão, não tendo os holandeses outro remédio senão facultar a
passagem dos seus navios.
A habilidade deste português levou-o mesmo
a ser bem recebido pelas autoridades holandesas em Batávia, hoje Jakarta. Este
bom relacionamento foi, porém, de curta duração. Os holandeses deixaram de ver
com bons olhos o crescimento do poder e influência deste homem, pelo que,
aproveitando o fim de um período de tréguas com Portugal, passaram a atacar os
seus navios. Figueiredo respondeu à letra, convencendo o sultão de Macassar a fazer
guerra aos holandeses. Não levou, porém, a melhor, sendo obrigado a pedir a paz
pouco depois. Instalou-se assim um clima de desconfiança e tensão entre este
homem e os holandeses, como descreve numa carta ao vice-rei português:
“[os holandeses] fazem-me grandes
cortesias e desejam muito de se meter comigo; eu lhes faço as mesmas com grande
cautela, porque de Jacarta tenho aviso de quem sabe de seus conselhos, me não
fie deles por nenhum caso, e que veja como aceito seus brindes, suposto que eu
não bebo vinho; se o embaixador me convidasse à sua nau, que não fosse. Tudo o
experimentei, porque me convidou, e escusei-me (…)”
Durante vários anos, Francisco Vieira de
Figueiredo continuou a promover as actividades anti-holandesas, em colaboração
com o sultão de Macassar. Fê-lo inteiramente por sua conta e risco, já que não
recebeu nenhum tipo de apoio por parte das autoridades portuguesas a quem, na
verdade, as suas acções muito convinham. Em 1660, finalmente, as autoridades
holandeses decidiram-se a eliminar de vez este incómodo adversário, atacando
Macassar e forçando todos os portugueses a abandonar o reino. Manobrando com
grande habilidade junto do governador holandês, Figueiredo conseguiu pemanecer
durante mais alguns anos. É por esta altura que o rei de Portugal o nomeia para
a Ordem de Cristo, como reconhecimento pelos serviços prestados. Tal não deixou
de suscitar algumas invejas: diziam muitos que a sua origem humilde o impedia
de receber tal honra, já que a mesma estava destinada a pessoas de qualidade,
como se dizia na época, ou seja, fidalgos. O parecer acabou por lhe ser
favorável, não antes de se averiguar não possuir sangue judeu nem mouro.
Francisco Vieira de Figueiredo viveria
pouco mais. Em 1665, decididamente fartos desta figura, os holandeses
obrigaram-no a deixar Macassar, instalando-se então em Larantuca, não longe de
Timor. Aqui viria a morrer dois anos depois. A ele se deveu, para além do
fortalecimento das raízes portuguesas na região, a manutenção do comércio de
diversos produtos locais nas mãos dos portugueses. Mais importante, num
processo que se estende até aos nossos dias, foi o seu contributo decisivo para
o reforço da presença portuguesa em Timor, que os holandeses nunca conseguiram
eliminar.
Paulo Jorge de Sousa Pinto – texto de
apoio a programas de rádio sob a designação ”Era uma vez… Portugal”, emitidos
entre 1993 e 1996 pela RDP-Internacional, em associação com a Sociedade
Histórica da Independência de Portugal.
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